A vida de Miguel Rua é um testemunho profundo de como a santidade pode ser tecida nos teares silenciosos do cotidiano. Sua história não é marcada por feitos espetaculares, mas pela constância transformadora de quem soube honrar um pacto existencial até as últimas consequências. O gesto inicial de Dom Bosco — estender a mão e proclamar “Nós dois faremos tudo meio a meio” — tornou-se o princípio organizador de toda uma existência. Mais que uma promessa, era um chamado à coautoria na obra divina, um convite para compartilhar não apenas alegrias, mas também fadigas, dúvidas e sofrimentos.

O que surpreende na trajetória de Miguel Rua é a radicalidade com que abraçou a obscuridade do serviço. Encontrava Deus não no extraordinário, mas no suor dos dias comuns — na sala de aula, no refeitório, no pátio com os pequenos limpa-chaminés de rostos enfarruscados. Sua espiritualidade tinha o cheiro concreto da tinta dos manuscritos que copiava durante noites intermináveis, do pão partilhado com os órfãos, da água gelada com que lavava o rosto nas madrugadas siberianas de Turim. Essa era sua genialidade espiritual: perceber que o divino se revela justamente onde poucos o buscam — na fadiga aceita com amor.

A metáfora que Dom Bosco lhe ofereceu — a travessia do Mar Vermelho e do deserto rumo à Terra Prometida — tornou-se realidade palpável em sua vida. Miguel Rua atravessou o deserto do cansaço crônico, da administração de uma obra que crescia exponencialmente, do peso de ser sucessor de um santo. E enfrentou mares vermelhos de provações agudas: as calúnias que desencadearam a “caça ao padre”, a expulsão dos salesianos da França e as mortes trágicas de missionários. Em nenhum momento vemos nele revolta ou amargura; apenas a aceitação serena de que o sofrimento é parte essencial do caminho de quem se entrega totalmente.

Sua figura redefine o significado do discipulado autêntico. Quando, ajoelhado diante do corpo de Dom Bosco, suplica “Ajude-me a ser como o senhor”, não estamos diante de uma renúncia à própria identidade, mas da compreensão profunda de que a verdadeira originalidade consiste em ser fiel ao carisma recebido. Seu gênio não estava na inovação, mas na fidelidade criativa que soube fazer frutificar a semente salesiana até os confins do mundo. Sob seu governo, a Congregação se multiplicou não porque ele buscasse grandezas, mas porque permaneceu fiel ao essencial.

O legado de Miguel Rua nos interpela sobre a qualidade da nossa própria fidelidade. Sobre nossa capacidade de honrar os pactos que assumimos, mesmo quando o entusiasmo inicial dá lugar à fadiga do longo prazo. Sobre nossa coragem de encontrar sentido não nos grandes gestos, mas na perseverança silenciosa. E sobre nossa habilidade de enxergar, como ele via o rosto de Cristo tanto no

menino abandonado quanto no operário explorado — unindo, numa só caridade, o cuidado da alma e a transformação das estruturas sociais.

No fim, Miguel Rua permanece como um farol para todos os que buscam uma santidade ao alcance da condição humana — não feita de momentos sublimes, mas da tessitura paciente de cada dia, da fidelidade às pequenas coisas, da coragem de atravessar desertos confiando que, no final de todo o caminho, nos aguarda “a coisa mais bela de todas: o Paraíso”.

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