O olhar atento da mãe sobre a vida do bebê faz com que ela responda, imediatamente, com um toque suave ou carícia, ao menor choro ou movimento de sua flor. Este talvez seja um bom exemplo do que signifique escutar, ouvir, com o coração. A mãe sente, pressente, o de que o seu bebê está a precisar.

‘Escutar com o coração’ é a atitude de uma pessoa nobre, amorosa, compassiva. Se olharmos em nosso derredor, poderemos notar que há, todos dias, milhões de pessoas que sofrem em silêncio. Todas anseiam por ser ouvidas. Mas o caos, a confusão, o ruído, acabaram por causar muita surdez interior. E também nós – em detrimento da capacidade de empatizar, sentir, escutar, ouvir – acabamos por somente ouvir alguns sons...

O apelo para escutar com o ouvido do coração nos vem do Papa Francisco, para o 56º Dia Mundial das Comunicações, celebrado, habitualmente, no Domingo da Ascensão (a 28 de maio neste 2022). Mas, retomando o nosso verbo, será que realmente escutamos? E como escutar, ouvir, com o coração?

Caos dentro e fora de nós

A falta de escuta aflige o nosso mundo em muitos níveis: dos grandes conflitos internacionais - como a amarga guerra que ocorre na Ucrânia - aos intermináveis ​​conflitos comunitários, sociais, de casta, religiosos..., que assolam muitos países. Pode-se perceber esta falta de escuta em toda parte.

O vertiginoso aumento de separações entre casais e famílias também representa uma prova do preço que pagamos por nos recusarmos a escutar, em nível individual, familiar, social e internacional. Cada um à sua maneira, muitos de nós permanecem surdos aos gritos daqueles que os rodeiam. Entorpecidos pelo barulho, nos tornamos insensíveis aos soluços de angústia, numerosos demais para serem contados e ficamos surdos, tanto externa quanto internamente. Na realidade, vivemos isolados em nossos pequenos túmulos de silêncio e nos sentimos cada vez mais à vontade com a quietude mortal que habita dentro de nós. Lembro-me das palavras profundas da lendária canção de Simon & Garfunkel "The Sound of Silence":

And in the naked light I saw

Ten thousand people, maybe more

People talking without speaking

People hearing without listening

People writing songs that voices never share

No one dared

Disturb the sound of silence...

[E na luz nua eu vi

Dez mil pessoas, talvez mais,

Pessoas conversando sem falar,

Pessoas ouvindo sem escutar,

Pessoas escrevendo canções

Que vozes nunca partilhariam...

Ninguém ousava

Perturbar o som do silêncio...]

Uma analogia interessante da nossa época: falar sem escutar, comunicar sem falar e ouvir sem escutar.

A necessidade universal de escuta

O Dr. Ralph Nicols, considerado o pai no campo da escuta, disse: “A mais básica de todas as necessidades humanas é a necessidade de compreender e ser compreendido. E o melhor modo de compreender as pessoas é escutá-las”.

Este ano, em linha com o tema da escuta, o Papa Francisco nos convida a escutar com o ouvido do coração.

Por que este tipo de escuta é tão importante? O que isso realmente significa? Na teoria da comunicação, a ação comunicativa só se completa quando a mensagem é compreendida. O simples ato de enviar uma mensagem, de dizer ou escrever algo, não é comunicação. A comunicação é um processo de mão dupla: só se dá quando o "ciclo" se completa.

Enquanto não conseguirmos escutar e nos conectar de fato, seremos como ilhas: desconectados e separados uns dos outros. E corre-se o risco de não mais formar uma sociedade, mas um mero conjunto de indivíduos, que lutam suas batalhas em solidão e isolamento. Nada pode ser mais trágico do que essa falta de escuta e conexão, porque foi para isso que a nossa natureza fundamental foi projetada. E, se não estivermos dispostos a ouvir-nos uns aos outros, tampouco ouviremos Deus.

Por que não conseguimos ouvir com o coração

São várias as razões pelas quais não se consegue escutar:

- Estamos muito distraídos por nossos pensamentos, sentimentos, necessidades, desejos

- Temos medo de investir tempo, nosso dom mais precioso. Sabe-se que a verdadeira prova de amor é a disponibilidade a dedicar o próprio tempo aos outros. Se dizemos que amamos, devemos estar dispostos a tomar nosso tempo e escutar.

- Quando alguém tenta compartilhar seus pensamentos e sentimentos conosco, com frequência preferimos rotulá-los enquadrando-os nas regras e padrões que conhecemos e avaliar sua moralidade, em vez de escutá-los com mente aberta. Somos cheios de preconceitos.

- Escutamos com pressa de responder, por isso nunca escutamos de verdade. A verdadeira escuta requer silêncio e quietude, no coração e na mente.

Aprender a escutar

A Bíblia nos dá muitos exemplos de como a verdadeira escuta se realiza. Salomão escolheu ser uma alma ouvinte, sempre atenta aos murmúrios do espírito. Samuel reconheceu a voz de Deus e, guiado por Eli, exclamou magnificamente: "Fala, Senhor, o teu servo te ouve". Davi clamou a Deus: "Deixa-me conhecer os teus caminhos, Senhor, ensina-me as tuas veredas" (Sl 25.4). Ao contrário de sua "ocupada" irmã Marta, Maria de Betânia optou por sentar-se aos pés de Jesus e escutar.

Mas Jesus, acima de tudo, foi um Mestre da escuta. Ele escutava para compreender, ajudar e encontrar soluções. Ele estava disposto a deixar de lado todos os sentimentos negativos, ressentimentos e incompreensões para realmente oferecer uma escuta empática, feita com o coração, a todos os que o procuravam. Ele ouvia constantemente a voz de Deus e do seu povo. Ele ouviu até mesmo o apelo do pobre ladrão que estava sendo crucificado com ele. O famoso encontro com os discípulos no caminho de Emaús mostra claramente como Jesus os escuta, os compreende, explica, os fortalece e os nutre.

A importância da escuta na Igreja sinodal

O convite do Papa Francisco para ouvir com o coração tem implicações ainda mais profundas para a Igreja sinodal que ele prenuncia. De fato, o apelo à escuta e ao diálogo é uma nova maneira de ser Igreja hoje.

O processo sinodal consiste precisamente em escutar as vozes da comunidade católica, as vozes da base. É apenas por meio desta escuta que podemos iniciar um verdadeiro diálogo, resolver conflitos e descobrir o caminho comum com espírito de abertura. É um avanço significativo e um convite para cada um de nós. Onde devemos agir de forma diferente se quisermos responder a este apelo?

A verdadeira escuta não é um ato espetacular, sua beleza está nas pequenas escolhas diárias. Escutar significa prestar atenção, fechar a boca e abrir os ouvidos para ouvir a Deus e aos outros. Os relacionamentos, assim como o crescimento espiritual, são construídos sobre a base da escuta, tanto da Palavra de Deus, como sob a forma de escuta mútua.

- Estamos prontos para fazer uma pausa silenciosa para refletir e compreender o que está acontecendo, dentro de nós e ao nosso redor, e o que Deus está nos dizendo?

- Estamos prontos para mudar nossas opiniões e preconceitos sobre as pessoas que nos rodeiam? Às vezes, nossos maiores preconceitos se revelam em nossos relacionamentos mais profundos.

- Estamos dispostos a escutar vozes diferentes e não apenas aquelas que nos fazem sentir à vontade? A verdadeira escuta implica abandonar as próprias certezas e medos.

- Estamos dispostos a escutar sem julgar? Ou, como os fariseus, temos a tendência de colocar pessoas na lista negra, cortar laços, excluir aqueles que nos feriram?

Quando alguém nos escuta genuinamente, nos sentimos encorajados a falar. E quando conseguimos escutar os sentimentos que se escondem por trás das palavras das pessoas, temos o poder de curar. Quando escutamos as histórias por trás de cada pessoa que tem o coração partido, adquirimos o poder de perdoar, libertar e transformar.

Aprender a escutar

Escutar significa sintonizar. Não é um ato passivo. Somos, por natureza, ouvintes seletivos: ouvimos aquilo que nos atrai; somos capazes de ouvir o que alguém diz sobre nós mesmo numa sala lotada; conseguimos distinguir nossa melodia favorita mesmo no caos de uma rua movimentada ou ouvir o som dos nossos celulares mesmo em meio ao barulho ao nosso redor. Ouvimos porque escolhemos fazê-lo. Ouvimos quando algo é importante para nós, porque vale a pena fazê-lo.

Um novo tipo de escuta

Se aprendermos a ouvir com o coração, descobriremos que há muito mais para ser escutado. Talvez estejamos acostumados com a constante tagarelice em nossas cabeças: nossas preocupações, nossos desejos, nossas ambições, nossas necessidades, nossos sentimentos... Mas quando escutamos com nosso coração, achamos um modo de sair de nós mesmos.

Neste novo tipo de escuta com o coração, podemos aprender a escutar as diversas vozes que nos cercam e que esperam ser ouvidas, compreendidas e acolhidas. Há que aprender a:

- escutar a Palavra de Deus, a voz e os conselhos do Espírito Santo com um sentido de Fé que nutre e transforma;

- escutar o nosso cônjuge: o que ele diz e também as coisas que lhe são difíceis de expressar;

- escutar nossos pais idosos quando é difícil relacionar-se com eles;

- escutar as vozes das crianças com uma abertura real para compreender como elas enxergam o mundo;

- escutar os colegas, os amigos e paroquianos, esvaziando-nos de nossa programação, esquemas e suposições para realmente buscar compreender o que eles estão tentando nos dizer.

- escutar os gritos angustiados dos pobres e marginalizados da sociedade talvez nos leve a desenvolver a empatia necessária para realmente nos interessarmos pelo que está acontecendo em seu mundo;

- escutar o grito silencioso de quem está nas prisões, trancado por anos e sem esperança de sair; das pessoas abandonadas e esquecidas em asilos, sem contato humano genuíno; dos doentes terminais que estão apenas esperando pela morte, dos pacientes acamados e presos em seus próprios corpos;

- escutar o clamor da terra que a cada dia é de mil modos devastada, até que seu clamor nos abale e toque.

Escutar com o ouvido do coração não é uma resposta complacente: é uma resposta empática e atenta. É uma abertura responsável do coração, que se deixa sentir e tocar: de estender a mão e curar; de compartilhar e cuidar, e de ajudar a construir a vida dos outros. É a abertura em nosso mais profundo ser para receber, respeitar e aceitar o outro.

Se não formos capazes de escutar uns aos outros, não seremos capazes de ouvir a Deus, porque o ato de escutar reflete a Divindade que está em nós e nosso relacionamento com Deus.

Escutar com o ouvido do coração é, em última análise, um verdadeiro ato de amor.

Fonte ANS - Agencia de Notícias Salesiana

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